segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O real e o virtual nos desfiles

Os desfiles de moda foram desenvolvidos na metade do século XIX pelo pioneiro designer de moda inglês Charles Frederick Worth, que, passando a abandonar os tradicionais manequins de ferro, propôs uma abordagem diferente para apresentar suas criações: por meio de pessoas reais vestindo elas. Surgindo com propósito de expor as peças criadas nos ateliês para a clientela, hoje são verdadeiros espetáculos que fomentam toda uma indústria com uma expectativa de faturamento de US$1 trilhão para 2025.

Charles Worth com uma modelo. Paris, 1958. 

No início, quando a moda definitivamente não era o que é atualmente, os desfiles aconteciam de maneira privada, com Worth e outros estilistas da cena parisiense e londrina convidando apenas clientes selecionados (a elite) para tais eventos. Com o tempo, a configuração de como aconteciam foi mudando, alcançando outros lugares do mundo, ampliando seu público para compradores, distribuidores, e incluindo a presença de imprensa, por exemplo. 

É claro que, nessa perspectiva, é válido ressaltar que a experiência sensorial foi uma das causas para que essa mudança da maneira como as coleções eram apresentadas tenha mudado – há muita diferença de ver uma peça num manequim estático do que num ser humano, real, em ação, trajado num tecido com textura, caimento, entre outras coisas. Os desfiles permitiram uma interação da indumentária-corpos, ampliando a sensação de percepção e movimento. 

Nesse viés, ao se deparar com os obstáculos presenciais que a pandemia da COVID-19 proporcionou, surgiu também o questionamento de como perpetuar a prática dos desfiles, tão importantes para a indústria da moda e da criatividade, em concordância com as normas de distanciamento social. E, assim como a tecnologia cumpriu um importante papel de aproximar as pessoas durante esse período, grandes marcas recorrem aos desfiles virtuais.

Antes de prosseguirmos, nós fazemos a seguinte pergunta: o que entendemos por virtual? Durante o período de distanciamento social (ou até, mesmo antes) foi comum usar desses termos para separarmos a nossa presença física da que existia nos ambientes digitais: era como se existissem duas personas, aliadas a uma sensação de independência, e, ao mesmo tempo, co-dependência: afinal, era comum participarmos de aulas virtuais, reuniões virtuais, trabalhos virtuais, entre outras coisas. O famoso filósofo Pierre Lévy, contudo, defende a ideia de que o real e o virtual não são opostos, mas sim complementares. Nessa perspectiva, o presencial seria o oposto do virtual, e ambos fazem, concomitantemente, parte da mesma esfera. 

Em Maio de 2020 a designer de moda congolesa Anifa Mvuemba, criadora da marca Hanifa inovou ao apresentar uma coleção sem modelos ou plateia. Todo o desfile foi feito de forma virtual postado no Instagram da própria marca, os modelos feitos em 3D já eram uma realidade para a marca antes da pandemia, e diante das circunstâncias, a coleção Pink Label Congo foi lançada. 

Anifa Mvuemba e criação. Foto: Notícia Preta

Já durante a temporada de primavera/verão de 2021, grifes couture como Valentino, Prada, Balmain e Dior não deixaram a prática dos fashion shows de lado e promoveram a exposição de suas coleções de forma virtual. E consagra o novo formato como um sucesso, tendo o desfile da Prada alcançado 1 milhão de views no youtube enquanto a coleção marcava a despedida do trabalho solo da diretora criativa Miuccia Prada. 

Mesmo com o sucesso dos desfiles no formato digital, logo após o retorno das anteriores práticas sociais e o fim do distanciamento devido a pandemia do COVID 19, a necessidade de fashions shows de forma presencial volta a surgir tanto para criadores quanto para consumidores de moda, endossando que a sensorialidade da moda é um fator, que mesmo temporariamente desaparecido, não é esquecido e muito menos dispensável.

Apesar disso, vale a reflexão de que as plataformas virtuais podem ser ótimas para apresentar projetos criativos que sejam também distantes da realidade, tecidos extremamente figurativos, futuristas e, até o momento, inalcançáveis – mas dificilmente vão ter o charme do “real” e as maravilhas que o ser humano pode ainda produzir. 


Por: Ana Letícia e Isabela Reis

terça-feira, 28 de novembro de 2023

O lado sombrio da moda: a curadoria jornalística de dados e a ética social


No mundo da moda, por trás dos desfiles glamorosos e das tendências efêmeras, existe uma faceta que nem sempre está em destaque: a relação entre a curadoria no jornalismo e a transparência da indústria, sendo necessário, por vezes, mover as engrenagens.
Em abril de 2013, a tragédia do Rana Plaza abalou as estruturas do mundo da moda ao expor as condições desumanas de trabalho escravo nas fábricas de roupas. Esse catastrófico incidente serviu como um chamado à consciência coletiva, despertando a necessidade de expor a realidade obscura por trás das etiquetas das roupas.

Foto: Vogue/GettyImages

É nesse contexto que a figura do jornalista se torna fundamental. Nesse período, o jornalismo de dados passa a se voltar, também, para a moda utilizando os mecanismos de suporte da internet. “O grande volume de dados disponíveis na rede também possibilitou novas formas de apuração e divulgação de conteúdo noticioso” (SAAD, 2012).

Um exemplo em termos práticos desse papel é o aplicativo "Moda Livre" desenvolvido pelo Repórter Brasil, uma ferramenta que usa a tecnologia para catalogar e informar sobre o ‘status ético’ de diversas marcas dentro dessa indústria. Os dado utilizados na aplicação são referentes ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) relacionados ao histórico de trabalho escravo ou análogo a escravidão por parte das empresas do ramo. Esse tipo de iniciativa não apenas expõe a realidade por trás das roupas que vestimos, mas também ressalta a importância da curadoria de dados nesse contexto.

Foto: Agência Mobi Dick

A curadoria, vista como uma forma de jornalismo de dados, vai além de simplesmente apresentar informações. Ela representa um mergulho profundo na vasta quantidade de dados disponíveis, buscando padrões e relevância para transformá-los em narrativas significativas. Esse processo, muitas vezes árduo e minucioso, envolve a análise de dados em tabelas, documentos e a criação de um conjunto informativo perspectivado de uma maneira inédita.

Foto: Agência Mobi Dick

Conforme mencionado por Saad (2012), a grande expansão de dados digitais transformou não só o jornalismo, mas também a comunicação como um todo. O jornalismo de dados se entrelaça com a curadoria, tornando-se uma ferramenta poderosa para desvendar verdades ocultas e instigar mudanças. “A curadoria comunicacional pode personalizar a agenda setting e reduzir os dados humanos às preferências dos leitores, o que pode ajudar a lidar com a sobrecarga de informações.”

Nesse contexto, o papel do jornalista como um curador de informações torna-se crucial. A habilidade de vasculhar, analisar e apresentar dados complexos de maneira acessível e objetiva é essencial para oferecer ao público uma visão mais clara e consciente sobre a moda e seu contexto de produção, bem como suas reverberações.

Em suma, a intersecção entre moda, curadoria e jornalismo revela não apenas os aspectos estéticos e de consumo, a moda enquanto um produto relativo ao entretenimento ou semelhante, mas também o compromisso com a ética, transparência e responsabilidade social. É a união entre a busca pela informação correta e a habilidade de apresentá-la de maneira cativante que transforma a curadoria no jornalismo de moda em um instrumento de mudança e conscientização.

 Por: Elaine Santana

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Costurando inovação: um bate-papo sobre moda e economia criativa

  Após escrever o meu texto sobre o papel das redes e do movimento punk, me veio a reflexão de como a técnica se transpõe na criatividade, ou, melhor, a criatividade se transpõe no saber-fazer humano e resulta em projetos que emitem vozes poderosas.  

Coincidentemente, um tempo depois, conheci a marca da Jéssica Santos, nossa colega da disciplina de Comunicação e Tecnologia, estudante de Produção Cultural na FACOM. A marca da Jéssica me chamou atenção logo de cara, seja, é claro, pela estética sensacional, seja por eu ainda estar pensando sobre os diversos aspectos e processos que acabam desaguando na economia criativa. Ao entrevistá-la, ela me contou como surgiu a Fent Studios, ou Fenty da Bahia. 

Perfil da Fent Studios no Instagram. Foto: Reprodução

“Na verdade, começou como um brechó, durante a pandemia”, disse. “O objetivo era ser um mecanismo criativo, para poder me expressar artisticamente, mas também tinha a questão econômica que era tão importante quanto.” 

Fent Studios, como brechó. Foto: Reprodução

Fent Studios, como brechó. Foto: Reprodução

Nos inúmeros campos que abarcam a economia criativa, a categoria moda e artesanato é a que reúne a maior quantidade de trabalhadores no Brasil. Isso porque, assim como Jéssica, trabalhar com a criatividade pode ser tanto uma saída para garantir maior autonomia financeira, quanto uma oportunidade de lucrar fazendo uma atividade de que se gosta, manifestando seu modo de fazer, sua imaginação, e os seus ideais. 


“Sempre gostei de moda e achei que seria uma boa fazer a curadoria de peças. Fiquei mais ou menos um ano nisso e depois comecei a realizar peças upcycling, que é uma técnica de reutilização de peças já usadas e de segunda mão, recriando com o que foi descartado.” 


Do início: as peças upcycling. Foto: Reprodução


Atualmente, as diversas cobranças devido a expansão dos ambientes digitais e em consequência, o aumento da competitividade, os desafios para manter-se no ramo são bastante acentuados, fazendo com que haja uma necessidade da promoção por meio das mídias sociais e transformando a forma como o trabalho criativo é distribuído, consumido e monetizado.

Jéssica me diz que a ideia inicial para o nome Fenty da Bahia era de ser sobre um coletivo criativo invés de uma marca propriamente dita, pois se sentia limitada e pensava na necessidade de se ter um nome que trouxesse uma presença mais forte para as redes sociais – já que o Fenty remetia a outra diva, Rihanna, criando a associação na mente das pessoas. “Até porque, na época, eu não conhecia muitas pessoas que pudessem compartilhar o brechó, sabe? Então comecei do zero, usando algumas estratégias que funcionaram para as métricas do Instagram.” Com o tempo, contudo, ela foi gradualmente mudando o nome para Fent Studios.

Foto: Reprodução

Mas ainda, ao perguntar para Jéssica qual a sua maior dificuldade com a marca, ela responde que “o principal desafio é dividir as tarefas de buscar estratégias para atingir uma presença digital e outras demandas que existem fora da internet.” É tanto que, apesar do irmão cuidar do administrativo da Fent Studios, Jéssica acumula funções na parte criativa da marca: tira as fotos, edita, e acaba desenvolvendo outras habilidades além da que ela precisaria ter – a de designer de moda. 


“Aprendi tudo sozinha. Precisei comprar uma máquina de costura para aprimorar o trabalho e acabeiaprendendo de forma autodidata. Comecei a me dedicar em peças autorais e foi mais fácil para poder
me dedicar na área de direção criativa e produção de moda.” 

Foto: Reprodução

Nesse sentido, é incrível visualizar como o gosto pela arte e o saber evoluem, levando a tantos caminhos na produção – da curadoria, à transformação de peças já existentes, à criação de roupas ainda mais únicas. E quando falamos sobre como a moda e artesanato se comportam no a economia criativa, podemos dizer que a inovação, aliada à visão empreendedora e aos valores do próprio empreendedor, emergem como alicerces fundamentais na construção da identidade de uma marca.


“Eu acho que uma das coisas que eu mais acredito em relação a moda é que não existe a necessidade de consumir todas as tendências e marcas famosas, para se reafirmar como uma pessoa com “estilo”. De fato, acho que nem acredito nessa ideia de ser “estilosa”, eu acho que a moda tem a possibilidade de comunicar muito mais. Mas também acho muito bacana sobre como a moda pode quebrar paradigmas e transformar.” 


Foto: Reprodução/Fent Studios

Foto: Reprodução/Fent Studios

“O ponto da diversidade e igualdade racial não é algo que é um tema central das minhas criações, mas acho que perpassa esse tema quando as produções são majoritariamente com pessoas pretas. Acho que isso fala muito sobre a quebra de paradigmas e também de uma construção de autoestima. Eu, que acompanho há muito [tempo] o mundo da moda, percebo como esse universo ainda é restritivo."


Por: Ana Leticia Ribeiro

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A inteligência artificial como personal style

Foto: Reprodução/Pinterest

Se você foi uma criança que assistia a Barbie, olhava o seu guarda-roupa mágico e pensava, “Isso é INCRÍVEL, queria ter um igual!”. Bom, lhe informo que estamos mais perto disso do que nunca! Assim como em Barbie, a inteligência artificial consegue indicar o look “perfeito” para o contexto que você solicitar, o CHATGPT, por exemplo, se perguntado um look ideal para um samba, para um homem, ele indicaria “bermudas, camisetas polo e chapéu brasileiro”, referindo-se a chapéus de palha, aba larga e de fedora.

A capacidade de indicar tipos de combinações por mensagem, é inspirada na base de dados com tendências e sugestões de uma série de informações da internet.

No TikTok, o termo “Fashion ChatGPT”  viralizou, com vídeos de pessoas se arrumando e escolhendo seus looks, com a ajuda da AI, “qual look usar em um encontro romântico?” e até em uma reunião, foram algumas das perguntas respondidas pelo chat.


Softwares de moda 


Apesar do ChatGPT, ser uma opção e já ter provado que é capaz de sugerir algumas ideias, ele não é o único software ou o mais especializado nesse assunto. Confira 4 plataformas que estão seguindo a ideia de se tornar um personal style online;


Foto: Reprodução/Pinterest

A Save Your Wardrobe

Uma plataforma de moda que valoriza a sustentabilidade e é gratuita? A Save Your Wardrobe, criada em 2020, em meio a pandemia, se encaixa nessa categoria, a plataforma funciona como seu guarda roupa digitalizado, a intenção é que você envie fotos das suas roupas, para que o aplicativo monte looks com elas, sem que haja necessidade de comprar novas peças, disponível para downloads tanto para IOS quanto para ANDROID.


Lewk

A Lewk, é uma plataforma paga, e diferente do ChatGPT, ela oferece imagens e uma experiência mais personalizada, com base nas perguntas que o usuário fornece antes de começar a usar, a plataforma também promete um filtro de comércio online, informações sobre a silhueta do corpo, tipo de tecido, cores, para oferecer uma experiência mais personalizada.


YesPlz

Também sendo uma plataforma paga, a YesPlz faz seleções de produtos a venda em sites externos e também ajuda aos vendedores etiquetarem as peças de uma forma que seja mais fácil para que os clientes encontrem.


Style DNA

Lançado em setembro de 2022, o aplicativo Style DNA funciona de uma forma muito similar ao Save Your Wardrobe, o usuário tira fotos das suas roupas e o aplicativo sugere looks e formas de combinar, além de cores e estilos de roupa que mais combinam com o usuário.


Foto: Reprodução/Pinterest

Com o avanço tecnológico, é interessante analisar em como o AI tem evoluído para mais esferas do nosso dia a dia, mas o lado humano de um personal style não pode ser substituído, porque apesar de inteligente, as plataformas ainda não conseguem personalizar as roupas para que tenham uma identidade mais exclusiva, se é o que você procura, entretanto, elas conseguem e podem ser uma boa opção para looks mais básicos e baseados em tendência. 


Por: Isabel Queiroz


terça-feira, 14 de novembro de 2023

Moda e Vigilância: da tuberculose chique às tendências dos anos 2000

   

 
Durante a Era Vitoriana o aspecto doentio causado pela tuberculose era romantizado. A pele pálida, a magreza, pupilas dilatadas e as bochechas rosadas por conta da febre eram sinônimo de beleza na alta sociedade inglesa do século XIX. Mesmo as mulheres que não tinham a doença tentavam emular o aspecto doentio com espartilhos e maquiagem, estética que mais tarde ficou conhecida como tuberculose chique. 

Pintura: Richard Tennant Cooper (1885-1937)
    No final do século XIX e início do século XX o aspecto doentio começou a ser combatido com campanhas de saúde pública em larga escala e a estética que simbolizava a tuberculose caiu se tornou obsoleta. A moda passou a representar um aspecto saudável até a década de 80, com o surgimento do Heroin Chic.
    Heroin Chic foi uma estética popularizada no Reino Unido e EUA no final da década de 80 surgindo como contraponto ao glamour visto nas passarelas e capas de revistas. Com elementos do Grunge, melancolia, magreza e visual propositalmente desleixado que remetiam ao uso da heroína, popular entre os artistas da época, a estética logo passou a ser incorporada pelas grandes marcas e mudou o cenário da moda mundial.
    Kate Moss e Jaime King eram os principais nomes dessa estética, apesar da popularidade o Heroin Chic recebeu diversas críticas por romantizar o uso da heroína, e no final da década de 90 já estava perdendo espaço para estéticas que não apresentavam comportamento tão nocivos quanto o uso de opioides. Pelo menos não diretamente, mas mesmo perdendo destaque seu legado foi mantido até metade da década de 2010: o culto à magreza.
Kate Moss nos anos 90:
um dos ícones do Heroin Chic.
Foto: Reprodução
Foucault em seu livro Vigiar e Punir (1975) é trabalhada a noção do panóptico como forma de disciplina e coerção. O panóptico é uma estrutura  arquitetônica semelhante a uma torre, centralizada, tem o papel de vigiar os arredores, dada a sua natureza, cria a sensação de constante vigilância nos seus vigiados.
Em Meninas Malvadas (2004), por exemplo, a protagonista Cady é apresentada às Plásticas, um trio de garotas populares do ensino médio, e para ser inserida no grupo deve seguir uma série de regras e convenções que na maioria das vezes não lhe são benéficas. As personagens ocupam o lugar de vigilância e punição, e quando os acordos são quebrados o resultado é a exclusão do grupo, como acontece com a líder das Plásticas, Regina George.

Foto: Reprodução/Meninas Malvadas (2004)
Esse comportamento de vigilância e punição é perpetuado em diversas dimensões dentro do universo da moda, seja na cultura pop, nos bastidores de um desfile ou nas redes sociais com as estéticas popularizadas pelo Tumblr e Tik Tok. Em um estudo publicado pela Vogue em 2017 apontou que 62% das modelos eram orientadas a perder peso dentro de suas agências, do contrário poderiam perder seus empregos. 

Mesmo tendo sido ultrapassada, a valorização de uma silhueta esguia, com clavículas a mostra, vista no heroin chic continuou a ser perpetuada em outras tendências como a Y2K, no início dos anos 2000 e até mesmo às tumblr girls de meados da década passada. No caso das tumblr girls pode-se dizer que foi o mais próximo do heroin chic da última década, com um apego a melancolia, estilo grunge, abuso de cigarro e álcool e até mesmo grupos “pró-ana” e “pró-mia” na rede social, que incentivavam distúrbios alimentares criando uma comunidade baseada na vigilância e punição.

Apesar disso, com o crescimento do movimento body positive, que valoriza e incentiva a aceitação do próprio corpo em detrimento do enquadramento aos padrões de beleza, houve uma diminuição desses grupos que reproduziam comportamentos semelhantes aos da estética heroin chic, pelo menos até a explosão do número de tendências e subgrupos que surgiram no Tik Tok em 2020.

Infelizmente, a vigilância e punição sempre esteve presente na moda, a cobrança e idealização para se atingir uma determinada aparência não é algo incomum. E como as tendências são cíclicas o retorno da busca pelo corpo cada vez mais magro tem ganhado cada vez mais evidência nas passarelas e no mainstream. É interessante pensar que as celebridades que se tornam símbolos de tendências e movimentos dentro do mundo da moda acabam tendo que se adequar a mais nova trend para que sua relevância e status sejam mantidos. O panóptico permanece.


Mudança drástica no visual de Kim Kardashian.
Foto: Reprodução


Por: George Magela

domingo, 29 de outubro de 2023

Zuzu Angel: algoritmo, moda e posicionamento

     A palavra algoritmo tem sido pauta na maioria das discussões relacionadas à tecnologia, especialmente no que diz respeito a interferência dos algoritmos na escolha de quais conteúdos consumir online e quais são as problemáticas dessa interferência. Mas afinal o que é algoritmo? Algoritmo, dentre alguns significados, pode ser definido como um procedimento computacional baseado em dados que dão um resultado inequívoco. Embora o termo seja frequentemente associado a tecnologia, o conceito, que também pode ser interpretado também como uma curadoria, é bem mais presente em discussões que vão além do debate cibernético. A setlist de um DJ, livros organizados por ordem alfabética em uma biblioteca e até mesmo instruções para uma receita de bolo são curadorias.

Foto: Wikipedia
E foi justamente o algoritmo, baseado nas escolhas que faço ao engajar alguns conteúdos em detrimento de outros, que “me mostrou” a história de Zuzu Angel, uma importante estilista brasileira que usou a moda como posicionamento durante a ditadura militar.

Zuleika de Souza Netto, conhecida como Zuzu Angel, natural de Minas Gerais, foi uma importante estilista brasileira. Com influências baianas e mineiras, como as rendas, sedas e chitas, e o uso de estampas coloridas que representassem a fauna e flora nacional. Zuzu ganhou reconhecimento internacional, sobretudo das americanas, com seus vestidos nas décadas de 60 e 70. A figura do Anjo, seu nome artístico, era uma de suas marcas,  mas foi em 1971 que tudo mudou.

Em 1971, Stuart Jones, filho de Zuzu foi preso era filiado ao Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) foi preso, torturado e morto, dado como desaparecido pelo regime militar e isso impactou profundamente a estilista, que passou a buscar por respostas, sendo a dor pela perda do filho combustível para reformulação de seus designs. 

Coleção International Dateline (1971)
Foto: Instituto Casa Zuzu Angel

A coleção chamada como International Dateline Collection III foi seu maior ato de crítica ao desaparecimento de jovens durante a ditadura militar. O desfile foi realizado na embaixada brasileira em Nova York durante os anos de chumbo do governo Médici, nesse período não era permitido fazer propaganda com críticas direcionadas ao regime ditatorial em território internacional, ironicamente ela não violou o decreto.

Os elementos que faziam parte de sua assinatura como pássaros e flores foram substituídos por tanques de guerra, soldados e sóis encarcerados, em bordados como em desenhos infantis. O anjo, tão famoso por estampar bolsas e vestidos, foi representado amordaçado e ferido. Responsável por levar elementos nacionais para a moda internacional, como o cangaço, agora Zuzu Angel denunciava o horror da ditadura militar e continuaria buscando por respostas até o fim de sua vida.

Foto: Instituto Casa Zuzu Angel

Em 14 de abril de 1976, Zuzu Angel sofreu um atentado que culminou em sua morte num acidente de carro, que capotou e caiu de uma altura de 10 metros na saída do antigo Túnel Dois Irmãos, que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro. Antes havia avisado alguns amigos, em cartas, um deles Chico Buarque, caso desaparece: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho."

Zuzu Angel foi revolucionária, seja levando elementos importantes da cultura brasileira para o mercado de moda internacional, como seus vestidos inspirados no cangaço ou denunciando o desaparecimentos de jovens durante a ditadura. Foi essa coragem que lhe custou a vida, contrária a curadoria nociva do regime militar. Que seu legado não seja esquecido.


Por: George Magela

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Inteligências e Artifícios: IAs aplicadas na moda

Os tempos modernos trazem consigo inovações e novos mecanismos de produção humana. Historicamente, o mundo da moda é marcado por processos de reinvenções constantes, em que se faz necessário adaptar-se às novas condições de existência de seu tempo. Dessa maneira, é inerente a esse universo a inserção das Inteligências Artificiais (IA) em tantos âmbitos quanto possível.

“As máquinas e os sistemas inteligentes estão executando tarefas que até recentemente eram prerrogativas dos humanos, em alguns casos com resultados mais rápidos e mais assertivos”, afirmam Dora Kaufman e Lucia Santaella. Recursos são aplicados em sua construção de forma a tornar pragmática a execução cotidiana das práticas no mundo fashion.

A título de exemplo, a Lalaland.ai. A empresa utiliza a inteligência de máquina para a geração personalizada de modelos. Ainda neste ano, a Levi Strauss & Co deu start ao projeto de utilização da IA para o seu próprio catálogo. O software será responsável pela criação de manequins personalizados a partir dos dados dos usuários. Dados como medidas, peso e etnia serão inseridos pelos usuários para a geração de um manequim que corresponda às especificações de entrada, dando a possibilidade de visualização das peças da varejista em um modelo tridimensional semelhante ao próprio corpo do usuário. Atualmente, a Levi's disponibiliza apenas um único manequim para cada categoria.

A modelo da esquerda foi criada com IA, a da direita é real.
Foto: Reprodução

Não apenas a ação traz uma inovação, no sentido de aplicação das tecnologias disponíveis no mercado, como traz para o centro da discussão a inclusão de diferentes corpos, de distintas idades, tamanhos e tons de pele. A moda, enquanto elemento social de comunicação, é um importante promotor de debates políticos e sociais. “O aprendizado de máquina é empregado em uma variedade de tarefas de computação, nas quais programar os algoritmos é difícil ou inviável. Trata-se de um processo de solução de um problema específico por meio da construção algorítmica de um modelo estatístico baseado em um conjunto de dados (BURKOV, 2019).”

Sendo assim, o principal entendimento, fruto dessas aplicações, é a “personalização das experiências no acesso online” no local de promoção de diversidade para os consumidores.


O outro lado da mo(e)da 

Utilizar-se das IAs, entretanto, não exclui o pensamento artístico e humano, do qual a moda depende essencialmente. Também este ano, a jornalista de moda Anna Battista concluiu a criação de uma coleção completa feita através de Inteligência Artificial. 

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

A coleção de Anna reúne o conceito esportivo e casual com o renascimento. Além das peças, o Midjourney, plataforma que tem ganhado amplo espaço no mundo da moda nos anos recentes, gerou imagens de modelos desfilando as peças em um evento de moda. Apesar de levantar diversos questionamentos acerca do espaço em que as pessoas ocuparão na produção de moda no futuro, é preciso atentar-se ao fato de que esse tipo de produção já é uma realidade. 

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

De modo similar, Kaufman e Santaella pontuam a importância de analisar as tecnologias sob a ótica das reais possibilidades que elas condicionam à sociedade. “Antes de tudo, é preciso levar em consideração que, muito longe da 'Máquina' onipotente da novela de Foster, as operações da aprendizagem de máquina na IA apresentam vulnerabilidades e limitações”.

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

Anna relata ter encontrado dificuldades na construção de sua coleção, sobre limitações e irregularidades da própria plataforma. Decerto as evoluções se encarregaram de solucionar muitas das limitações tecnológicas do Midjourney, entretanto, para além do aplicativo, Anna utilizou sua inteligência própria e conhecimentos de mundo prévios para instruir o programa de como gerar as imagens. Assim, observa-se a conservação de um pensamento humano, artístico e por vezes crítico em uma construção baseada em inteligência artificial e tecnologias. 

O futuro é computadorizado, não há como ignorar este fato, mas, não será um mundo meramente dos computadores. O pensamento humano ainda será a base das construções de tudo que cerca a comunicação e o mundo social. 


Por: Elaine Santana

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Algoritmos, tendências e microtendências


Segundo Gillespie, os algoritmos são "Agentes que desempenham um importante papel na definição do que é relevante". É através desse raciocínio que se entende a importância que o algoritmo tem nas redes sociais, principalmente no Instagram e no TikTok, desempenhando um papel crucial na determinação do que se tornará uma tendência no mundo da moda.

Foto: Reprodução/Google
Com esse aspecto em mente, surgem também as microtendências, resultantes de um hábito social tão dinâmico quanto a utilização das redes e, consequentemente, a imersão nos algoritmos que as regem. Isso faz com que o surgimento de novos comportamentos na moda seja tão frequente que as tendências não se estabelecem por longos períodos. Os ciclos são tão rápidos que o surgimento de novos hábitos de consumo, vestimenta e até de posicionamento — porque moda é sempre um posicionamento — são quase exponenciais. São micros.

Microtendências, como o "brazilcore", servem como exemplos claros de como o boom de consumo e conteúdo é fomentado pelos algoritmos das redes. No TikTok, a hashtag "#brazilcore" somou mais de 75 milhões de visualizações no período em que o consumo de produtos relacionados à estética brasileira estava em seu auge. Atrelado a isso, a venda e produção de coleções que se alinhassem com essa estética disparou. Não houve uma grande marca de roupas ou até ateliês de slow fashion que não tenha produzido peças alinhadas com as linhas dessa microtendência.

Foto: ELLE Brasil/Pinterest
Na matéria de Francielly Kodama para o Gshow, a autora cita que as grandes e sempre inovadoras fashion weeks apenas consolidam outras tendências oriundas de outros ambientes. Pressupondo essa ideia, um desses ambientes é inevitavelmente o virtual. Fortalecendo a ideia de que a criação, consolidação e até ressurgimento de alguns movimentos criativos da moda nascem fora dos grandes ateliês e sem a assinatura de grandes designers, surgem da programação e da seleção de um algoritmo no dispositivo que aquele consumidor de moda possui.
O algoritmo pode ser tanto uma curadoria própria quanto fruto de uma curadoria que irá fomentar o comportamento do algoritmo. Portanto, o algoritmo precisa de tempo para poder entender e compreender determinadas preferências do usuário. No entanto, quando uma análise aprofundada realizada por Nínive Girardi sobre a moda na era do algoritmo conclui que algoritmos de redes como o TikTok operam menos por uma curadoria de hábitos de usuários e mais por uma massificação midiática no que distribui, surge o questionamento: O surgimento dessas tendências e microtendências é realmente algo natural e fomentado pelos consumidores de moda ou é proveniente de manipulações, ideologias e inclinações de consumo do interesse da plataforma associada?

Por: Isabela Reis

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

AI Pin: o que será que vem aí?

A temporada das Semanas de Moda é famosa por revelar as tendências mais inovadoras e surpreendentes no universo da moda. Durante a Paris Fashion Week 2023, no final de setembro, um dos itens que mais chamou a atenção não era uma peça de roupa, mas, na verdade, um dispositivo tecnológico: o AI Pin. Projetado pela Humane, o artefato só será oficialmente lançado em 9 de novembro, mas já gerou muita curiosidade após a utilização no desfile da grife francesa Coperni.

Foto: Francois Durand/Getty Images

O AI Pin é um assistente digital baseado em inteligência artificial que se prende à roupa por um ímã e pode ser facilmente colocado em qualquer parte do vestuário. É um dispositivo independente, não sendo necessária a conexão com outros gadgets, como smartphones.

Foto: Reprodução

Em demonstrações do aparelho, observou-se duas de suas funções: tradução em tempo real e projeção de mensagens ou texto. Com reconhecimento de voz, o dispositivo não funciona como outras inteligências artificiais como Alexa ou Siri, apenas é utilizado quando solicitado, através de um botão, objetivando manter a privacidade dos seus usuários.


Foto: Reprodução

Neste cenário, cabe questionarmos: dentre toda uma vastidão de dispositivos aos quais estamos cotidianamente conectados, alimentando intensamente com uma enxurrada de dados, vale a pena dispor de mais dados massivos em troca de uma nova bugiganga tecnológica? Quanto vale produzir mais dados que não se sabe ao certo como serão usados posteriormente?

AI Pin oferece funções já semelhantes a outras inteligências no mercado, agora em um dispositivo compacto e “vestível”, o que, de fato, torna toda a dinâmica mais prática. Até seu lançamento oficial, aguarda-se o desvelar de novas funcionalidades que tragam mais sentido à peça. Veremos cenas dos próximos capítulos.


Por: Elaine Santana