Durante a Era Vitoriana o aspecto doentio causado pela tuberculose era romantizado. A pele pálida, a magreza, pupilas dilatadas e as bochechas rosadas por conta da febre eram sinônimo de beleza na alta sociedade inglesa do século XIX. Mesmo as mulheres que não tinham a doença tentavam emular o aspecto doentio com espartilhos e maquiagem, estética que mais tarde ficou conhecida como tuberculose chique.  |
Pintura: Richard Tennant Cooper (1885-1937) |
No final do século XIX e início do século XX o aspecto doentio começou a ser combatido com campanhas de saúde pública em larga escala e a estética que simbolizava a tuberculose caiu se tornou obsoleta. A moda passou a representar um aspecto saudável até a década de 80, com o surgimento do Heroin Chic.
Heroin Chic foi uma estética popularizada no Reino Unido e EUA no final da década de 80 surgindo como contraponto ao glamour visto nas passarelas e capas de revistas. Com elementos do Grunge, melancolia, magreza e visual propositalmente desleixado que remetiam ao uso da heroína, popular entre os artistas da época, a estética logo passou a ser incorporada pelas grandes marcas e mudou o cenário da moda mundial.
Kate Moss e Jaime King eram os principais nomes dessa estética, apesar da popularidade o Heroin Chic recebeu diversas críticas por romantizar o uso da heroína, e no final da década de 90 já estava perdendo espaço para estéticas que não apresentavam comportamento tão nocivos quanto o uso de opioides. Pelo menos não diretamente, mas mesmo perdendo destaque seu legado foi mantido até metade da década de 2010: o culto à magreza.
 |
Kate Moss nos anos 90: um dos ícones do Heroin Chic. Foto: Reprodução |
Foucault em seu livro Vigiar e Punir (1975) é trabalhada a noção do panóptico como forma de disciplina e coerção. O panóptico é uma estrutura arquitetônica semelhante a uma torre, centralizada, tem o papel de vigiar os arredores, dada a sua natureza, cria a sensação de constante vigilância nos seus vigiados.
Em Meninas Malvadas (2004), por exemplo, a protagonista Cady é apresentada às Plásticas, um trio de garotas populares do ensino médio, e para ser inserida no grupo deve seguir uma série de regras e convenções que na maioria das vezes não lhe são benéficas. As personagens ocupam o lugar de vigilância e punição, e quando os acordos são quebrados o resultado é a exclusão do grupo, como acontece com a líder das Plásticas, Regina George.
 |
Foto: Reprodução/Meninas Malvadas (2004) |
Esse comportamento de vigilância e punição é perpetuado em diversas dimensões dentro do universo da moda, seja na cultura pop, nos bastidores de um desfile ou nas redes sociais com as estéticas popularizadas pelo Tumblr e Tik Tok. Em um estudo publicado pela Vogue em 2017 apontou que 62% das modelos eram orientadas a perder peso dentro de suas agências, do contrário poderiam perder seus empregos. Mesmo tendo sido ultrapassada, a valorização de uma silhueta esguia, com clavículas a mostra, vista no heroin chic continuou a ser perpetuada em outras tendências como a Y2K, no início dos anos 2000 e até mesmo às tumblr girls de meados da década passada. No caso das tumblr girls pode-se dizer que foi o mais próximo do heroin chic da última década, com um apego a melancolia, estilo grunge, abuso de cigarro e álcool e até mesmo grupos “pró-ana” e “pró-mia” na rede social, que incentivavam distúrbios alimentares criando uma comunidade baseada na vigilância e punição.
Apesar disso, com o crescimento do movimento body positive, que valoriza e incentiva a aceitação do próprio corpo em detrimento do enquadramento aos padrões de beleza, houve uma diminuição desses grupos que reproduziam comportamentos semelhantes aos da estética heroin chic, pelo menos até a explosão do número de tendências e subgrupos que surgiram no Tik Tok em 2020.
Infelizmente, a vigilância e punição sempre esteve presente na moda, a cobrança e idealização para se atingir uma determinada aparência não é algo incomum. E como as tendências são cíclicas o retorno da busca pelo corpo cada vez mais magro tem ganhado cada vez mais evidência nas passarelas e no mainstream. É interessante pensar que as celebridades que se tornam símbolos de tendências e movimentos dentro do mundo da moda acabam tendo que se adequar a mais nova trend para que sua relevância e status sejam mantidos. O panóptico permanece.
Mudança drástica no visual de Kim Kardashian.
Foto: Reprodução
Por: George Magela
Nenhum comentário:
Postar um comentário