segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Rede, movimento e expressão

 


Movimentos e partidos são comunicação em potência pura. Através de mentes que dialogam e que se convergem a um princípio em comum, são formadas ideologias e simbolismos próprios que constituem redes, sistemas de relações que podem ultrapassar gerações, e, nisso, a moda assume um importante papel na construção da imagem das chamadas subculturas. 


Subculturas são redes. Aliás, em Filosofia das Redes, de Pierre Musso, as redes, no seu significado mais substancial, são entendidas como um mecanismo de controle ou de fazer o controle – elas estabelecem uma racionalidade dentre diversos pontos, linhas, fluídos. Apesar de abordar a polissemia deste termo, as subculturas podem ser reconhecidas como redes, afinal, elas determinam e expandem fronteiras de conhecimento, identidade e influência dentro de algumas comunidades, e até fazem parte de uma rede maior e intransponível dentro da sociedade: a da cultura. 

Foto: Reprodução/Buzzfeed

Foto: Reprodução/CBS News

Na década de 70, surgia o Movimento Punk, a partir da frustração das pessoas com o tradicionalismo e com as normas sociais, culturais e políticas vigentes da época. O movimento punk também se contrapunha a outro famoso movimento da década de 60, o movimento hippie. Como sabido, o movimento punk não se caracterizava pela estética florida, boogie-woogie e paz e amor tão difundida nos anos pós-guerra: este, pelo contrário, tinha por característica a rebeldia e mantinha críticas ainda mais subversivas à sociedade de consumo.


Foto: Reprodução/The Black Ravens
A conexão dos valores que fomentou esse movimento é considerada uma rede. Eles convergem para esse conceito no momento em que a distância entre as pessoas que compartilham dos mesmos ideais diminui, mesmo a nível simbólico. Inclusive, no texto de Musso, a rede também é trabalhada sob duas vertentes: a do nível técnico-financeiro, e a do político-simbólico. Como exemplificado, o Movimento Punk surge como uma manifestação contra as normas sociais vigentes, assumindo também uma voz política, e, concomitantemente, contra a política. Além disso, o Movimento possui viés artístico, pois se expressou nos campos da música, das artes visuais, e, não menos importante, na moda. 

Foto: Reprodução/Reddit

A indumentária punk se caracterizava pela forma agressiva – objetos pesados, como colares, presença de spikes, tachas, metal e cabelos pontiagudos e desalinhados, marcavam a quebra com a linearidade e o aspecto de conforto. Havia também o uso predominante de roupas e coletes rasgados, bottoms e patches, e a utilização de peças que faziam alusões a fetiches sexuais, tais como tecidos de borracha ou couro, meias calças, lingeries e correntes. O uso de botas, coturnos e de jaquetas militares também ilustravam um posicionamento frente à violência das guerras. 

O conceito de “moda” propriamente dito nesse movimento não foi bem aceito inicialmente, visto que a moda está associada à ideia de “modismo”, à boa aparência e a uma conformidade social – tudo que os punks não queriam. A “brutalidade” imposta pelo Punk vinha do fato dos adeptos personalizarem e confeccionarem suas próprias peças, valorizando a própria técnica e viabilizando a cultura do DIY “Do It Yourself”, ou “Faça você mesmo”, na busca de afirmarem suas próprias identidades e, como dito anteriormente, desafiar o consumismo por meio de intervenções em peças já existentes (rasgos, o pixo, adição de grampos, entre outros), e, até mesmo, por perfurações nos próprios corpos, levando a popularização dos piercings. 


O pareamento entre a vertente técnico-financeira da rede no Movimento Punk se dá, especialmente, quando a técnica assume mais que o capital simbólico e ocupa as passarelas ao redor do mundo, transformando-se em algo comerciável, e, ironicamente, indo contra o espírito de contra-consumo permeado pelo movimento. A ideia de rede técnica, apesar de distanciar o movimento de sua essência por meio da democratização da circulação, faz com que essa mesma circulação dissemine a ideia do rompimento com tradicionalismo, mantendo o vínculo simbólico vivo, apesar das transformações do saber-fazer humano. 


Foto: Reprodução/Vogue
A forma de se vestir foi um importante viabilizador na construção de uma rede no Movimento Punk. Se as redes possuem, por si só, o caráter de ser “o lugar visível com um vínculo invisível”, a moda tem o poder de trazer essa materialidade, uma vez que punks se reconhecem entre si e outras pessoas também reconhecem os punks, através do estilo. Enquanto todos os valores do movimento existirem de maneira velada, a moda garantirá a veiculação desses significados, estabelecendo fluências, influências e territórios.

Por: Ana Letícia Ribeiro


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