terça-feira, 28 de novembro de 2023

O lado sombrio da moda: a curadoria jornalística de dados e a ética social


No mundo da moda, por trás dos desfiles glamorosos e das tendências efêmeras, existe uma faceta que nem sempre está em destaque: a relação entre a curadoria no jornalismo e a transparência da indústria, sendo necessário, por vezes, mover as engrenagens.
Em abril de 2013, a tragédia do Rana Plaza abalou as estruturas do mundo da moda ao expor as condições desumanas de trabalho escravo nas fábricas de roupas. Esse catastrófico incidente serviu como um chamado à consciência coletiva, despertando a necessidade de expor a realidade obscura por trás das etiquetas das roupas.

Foto: Vogue/GettyImages

É nesse contexto que a figura do jornalista se torna fundamental. Nesse período, o jornalismo de dados passa a se voltar, também, para a moda utilizando os mecanismos de suporte da internet. “O grande volume de dados disponíveis na rede também possibilitou novas formas de apuração e divulgação de conteúdo noticioso” (SAAD, 2012).

Um exemplo em termos práticos desse papel é o aplicativo "Moda Livre" desenvolvido pelo Repórter Brasil, uma ferramenta que usa a tecnologia para catalogar e informar sobre o ‘status ético’ de diversas marcas dentro dessa indústria. Os dado utilizados na aplicação são referentes ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) relacionados ao histórico de trabalho escravo ou análogo a escravidão por parte das empresas do ramo. Esse tipo de iniciativa não apenas expõe a realidade por trás das roupas que vestimos, mas também ressalta a importância da curadoria de dados nesse contexto.

Foto: Agência Mobi Dick

A curadoria, vista como uma forma de jornalismo de dados, vai além de simplesmente apresentar informações. Ela representa um mergulho profundo na vasta quantidade de dados disponíveis, buscando padrões e relevância para transformá-los em narrativas significativas. Esse processo, muitas vezes árduo e minucioso, envolve a análise de dados em tabelas, documentos e a criação de um conjunto informativo perspectivado de uma maneira inédita.

Foto: Agência Mobi Dick

Conforme mencionado por Saad (2012), a grande expansão de dados digitais transformou não só o jornalismo, mas também a comunicação como um todo. O jornalismo de dados se entrelaça com a curadoria, tornando-se uma ferramenta poderosa para desvendar verdades ocultas e instigar mudanças. “A curadoria comunicacional pode personalizar a agenda setting e reduzir os dados humanos às preferências dos leitores, o que pode ajudar a lidar com a sobrecarga de informações.”

Nesse contexto, o papel do jornalista como um curador de informações torna-se crucial. A habilidade de vasculhar, analisar e apresentar dados complexos de maneira acessível e objetiva é essencial para oferecer ao público uma visão mais clara e consciente sobre a moda e seu contexto de produção, bem como suas reverberações.

Em suma, a intersecção entre moda, curadoria e jornalismo revela não apenas os aspectos estéticos e de consumo, a moda enquanto um produto relativo ao entretenimento ou semelhante, mas também o compromisso com a ética, transparência e responsabilidade social. É a união entre a busca pela informação correta e a habilidade de apresentá-la de maneira cativante que transforma a curadoria no jornalismo de moda em um instrumento de mudança e conscientização.

 Por: Elaine Santana

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Costurando inovação: um bate-papo sobre moda e economia criativa

  Após escrever o meu texto sobre o papel das redes e do movimento punk, me veio a reflexão de como a técnica se transpõe na criatividade, ou, melhor, a criatividade se transpõe no saber-fazer humano e resulta em projetos que emitem vozes poderosas.  

Coincidentemente, um tempo depois, conheci a marca da Jéssica Santos, nossa colega da disciplina de Comunicação e Tecnologia, estudante de Produção Cultural na FACOM. A marca da Jéssica me chamou atenção logo de cara, seja, é claro, pela estética sensacional, seja por eu ainda estar pensando sobre os diversos aspectos e processos que acabam desaguando na economia criativa. Ao entrevistá-la, ela me contou como surgiu a Fent Studios, ou Fenty da Bahia. 

Perfil da Fent Studios no Instagram. Foto: Reprodução

“Na verdade, começou como um brechó, durante a pandemia”, disse. “O objetivo era ser um mecanismo criativo, para poder me expressar artisticamente, mas também tinha a questão econômica que era tão importante quanto.” 

Fent Studios, como brechó. Foto: Reprodução

Fent Studios, como brechó. Foto: Reprodução

Nos inúmeros campos que abarcam a economia criativa, a categoria moda e artesanato é a que reúne a maior quantidade de trabalhadores no Brasil. Isso porque, assim como Jéssica, trabalhar com a criatividade pode ser tanto uma saída para garantir maior autonomia financeira, quanto uma oportunidade de lucrar fazendo uma atividade de que se gosta, manifestando seu modo de fazer, sua imaginação, e os seus ideais. 


“Sempre gostei de moda e achei que seria uma boa fazer a curadoria de peças. Fiquei mais ou menos um ano nisso e depois comecei a realizar peças upcycling, que é uma técnica de reutilização de peças já usadas e de segunda mão, recriando com o que foi descartado.” 


Do início: as peças upcycling. Foto: Reprodução


Atualmente, as diversas cobranças devido a expansão dos ambientes digitais e em consequência, o aumento da competitividade, os desafios para manter-se no ramo são bastante acentuados, fazendo com que haja uma necessidade da promoção por meio das mídias sociais e transformando a forma como o trabalho criativo é distribuído, consumido e monetizado.

Jéssica me diz que a ideia inicial para o nome Fenty da Bahia era de ser sobre um coletivo criativo invés de uma marca propriamente dita, pois se sentia limitada e pensava na necessidade de se ter um nome que trouxesse uma presença mais forte para as redes sociais – já que o Fenty remetia a outra diva, Rihanna, criando a associação na mente das pessoas. “Até porque, na época, eu não conhecia muitas pessoas que pudessem compartilhar o brechó, sabe? Então comecei do zero, usando algumas estratégias que funcionaram para as métricas do Instagram.” Com o tempo, contudo, ela foi gradualmente mudando o nome para Fent Studios.

Foto: Reprodução

Mas ainda, ao perguntar para Jéssica qual a sua maior dificuldade com a marca, ela responde que “o principal desafio é dividir as tarefas de buscar estratégias para atingir uma presença digital e outras demandas que existem fora da internet.” É tanto que, apesar do irmão cuidar do administrativo da Fent Studios, Jéssica acumula funções na parte criativa da marca: tira as fotos, edita, e acaba desenvolvendo outras habilidades além da que ela precisaria ter – a de designer de moda. 


“Aprendi tudo sozinha. Precisei comprar uma máquina de costura para aprimorar o trabalho e acabeiaprendendo de forma autodidata. Comecei a me dedicar em peças autorais e foi mais fácil para poder
me dedicar na área de direção criativa e produção de moda.” 

Foto: Reprodução

Nesse sentido, é incrível visualizar como o gosto pela arte e o saber evoluem, levando a tantos caminhos na produção – da curadoria, à transformação de peças já existentes, à criação de roupas ainda mais únicas. E quando falamos sobre como a moda e artesanato se comportam no a economia criativa, podemos dizer que a inovação, aliada à visão empreendedora e aos valores do próprio empreendedor, emergem como alicerces fundamentais na construção da identidade de uma marca.


“Eu acho que uma das coisas que eu mais acredito em relação a moda é que não existe a necessidade de consumir todas as tendências e marcas famosas, para se reafirmar como uma pessoa com “estilo”. De fato, acho que nem acredito nessa ideia de ser “estilosa”, eu acho que a moda tem a possibilidade de comunicar muito mais. Mas também acho muito bacana sobre como a moda pode quebrar paradigmas e transformar.” 


Foto: Reprodução/Fent Studios

Foto: Reprodução/Fent Studios

“O ponto da diversidade e igualdade racial não é algo que é um tema central das minhas criações, mas acho que perpassa esse tema quando as produções são majoritariamente com pessoas pretas. Acho que isso fala muito sobre a quebra de paradigmas e também de uma construção de autoestima. Eu, que acompanho há muito [tempo] o mundo da moda, percebo como esse universo ainda é restritivo."


Por: Ana Leticia Ribeiro

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A inteligência artificial como personal style

Foto: Reprodução/Pinterest

Se você foi uma criança que assistia a Barbie, olhava o seu guarda-roupa mágico e pensava, “Isso é INCRÍVEL, queria ter um igual!”. Bom, lhe informo que estamos mais perto disso do que nunca! Assim como em Barbie, a inteligência artificial consegue indicar o look “perfeito” para o contexto que você solicitar, o CHATGPT, por exemplo, se perguntado um look ideal para um samba, para um homem, ele indicaria “bermudas, camisetas polo e chapéu brasileiro”, referindo-se a chapéus de palha, aba larga e de fedora.

A capacidade de indicar tipos de combinações por mensagem, é inspirada na base de dados com tendências e sugestões de uma série de informações da internet.

No TikTok, o termo “Fashion ChatGPT”  viralizou, com vídeos de pessoas se arrumando e escolhendo seus looks, com a ajuda da AI, “qual look usar em um encontro romântico?” e até em uma reunião, foram algumas das perguntas respondidas pelo chat.


Softwares de moda 


Apesar do ChatGPT, ser uma opção e já ter provado que é capaz de sugerir algumas ideias, ele não é o único software ou o mais especializado nesse assunto. Confira 4 plataformas que estão seguindo a ideia de se tornar um personal style online;


Foto: Reprodução/Pinterest

A Save Your Wardrobe

Uma plataforma de moda que valoriza a sustentabilidade e é gratuita? A Save Your Wardrobe, criada em 2020, em meio a pandemia, se encaixa nessa categoria, a plataforma funciona como seu guarda roupa digitalizado, a intenção é que você envie fotos das suas roupas, para que o aplicativo monte looks com elas, sem que haja necessidade de comprar novas peças, disponível para downloads tanto para IOS quanto para ANDROID.


Lewk

A Lewk, é uma plataforma paga, e diferente do ChatGPT, ela oferece imagens e uma experiência mais personalizada, com base nas perguntas que o usuário fornece antes de começar a usar, a plataforma também promete um filtro de comércio online, informações sobre a silhueta do corpo, tipo de tecido, cores, para oferecer uma experiência mais personalizada.


YesPlz

Também sendo uma plataforma paga, a YesPlz faz seleções de produtos a venda em sites externos e também ajuda aos vendedores etiquetarem as peças de uma forma que seja mais fácil para que os clientes encontrem.


Style DNA

Lançado em setembro de 2022, o aplicativo Style DNA funciona de uma forma muito similar ao Save Your Wardrobe, o usuário tira fotos das suas roupas e o aplicativo sugere looks e formas de combinar, além de cores e estilos de roupa que mais combinam com o usuário.


Foto: Reprodução/Pinterest

Com o avanço tecnológico, é interessante analisar em como o AI tem evoluído para mais esferas do nosso dia a dia, mas o lado humano de um personal style não pode ser substituído, porque apesar de inteligente, as plataformas ainda não conseguem personalizar as roupas para que tenham uma identidade mais exclusiva, se é o que você procura, entretanto, elas conseguem e podem ser uma boa opção para looks mais básicos e baseados em tendência. 


Por: Isabel Queiroz


terça-feira, 14 de novembro de 2023

Moda e Vigilância: da tuberculose chique às tendências dos anos 2000

   

 
Durante a Era Vitoriana o aspecto doentio causado pela tuberculose era romantizado. A pele pálida, a magreza, pupilas dilatadas e as bochechas rosadas por conta da febre eram sinônimo de beleza na alta sociedade inglesa do século XIX. Mesmo as mulheres que não tinham a doença tentavam emular o aspecto doentio com espartilhos e maquiagem, estética que mais tarde ficou conhecida como tuberculose chique. 

Pintura: Richard Tennant Cooper (1885-1937)
    No final do século XIX e início do século XX o aspecto doentio começou a ser combatido com campanhas de saúde pública em larga escala e a estética que simbolizava a tuberculose caiu se tornou obsoleta. A moda passou a representar um aspecto saudável até a década de 80, com o surgimento do Heroin Chic.
    Heroin Chic foi uma estética popularizada no Reino Unido e EUA no final da década de 80 surgindo como contraponto ao glamour visto nas passarelas e capas de revistas. Com elementos do Grunge, melancolia, magreza e visual propositalmente desleixado que remetiam ao uso da heroína, popular entre os artistas da época, a estética logo passou a ser incorporada pelas grandes marcas e mudou o cenário da moda mundial.
    Kate Moss e Jaime King eram os principais nomes dessa estética, apesar da popularidade o Heroin Chic recebeu diversas críticas por romantizar o uso da heroína, e no final da década de 90 já estava perdendo espaço para estéticas que não apresentavam comportamento tão nocivos quanto o uso de opioides. Pelo menos não diretamente, mas mesmo perdendo destaque seu legado foi mantido até metade da década de 2010: o culto à magreza.
Kate Moss nos anos 90:
um dos ícones do Heroin Chic.
Foto: Reprodução
Foucault em seu livro Vigiar e Punir (1975) é trabalhada a noção do panóptico como forma de disciplina e coerção. O panóptico é uma estrutura  arquitetônica semelhante a uma torre, centralizada, tem o papel de vigiar os arredores, dada a sua natureza, cria a sensação de constante vigilância nos seus vigiados.
Em Meninas Malvadas (2004), por exemplo, a protagonista Cady é apresentada às Plásticas, um trio de garotas populares do ensino médio, e para ser inserida no grupo deve seguir uma série de regras e convenções que na maioria das vezes não lhe são benéficas. As personagens ocupam o lugar de vigilância e punição, e quando os acordos são quebrados o resultado é a exclusão do grupo, como acontece com a líder das Plásticas, Regina George.

Foto: Reprodução/Meninas Malvadas (2004)
Esse comportamento de vigilância e punição é perpetuado em diversas dimensões dentro do universo da moda, seja na cultura pop, nos bastidores de um desfile ou nas redes sociais com as estéticas popularizadas pelo Tumblr e Tik Tok. Em um estudo publicado pela Vogue em 2017 apontou que 62% das modelos eram orientadas a perder peso dentro de suas agências, do contrário poderiam perder seus empregos. 

Mesmo tendo sido ultrapassada, a valorização de uma silhueta esguia, com clavículas a mostra, vista no heroin chic continuou a ser perpetuada em outras tendências como a Y2K, no início dos anos 2000 e até mesmo às tumblr girls de meados da década passada. No caso das tumblr girls pode-se dizer que foi o mais próximo do heroin chic da última década, com um apego a melancolia, estilo grunge, abuso de cigarro e álcool e até mesmo grupos “pró-ana” e “pró-mia” na rede social, que incentivavam distúrbios alimentares criando uma comunidade baseada na vigilância e punição.

Apesar disso, com o crescimento do movimento body positive, que valoriza e incentiva a aceitação do próprio corpo em detrimento do enquadramento aos padrões de beleza, houve uma diminuição desses grupos que reproduziam comportamentos semelhantes aos da estética heroin chic, pelo menos até a explosão do número de tendências e subgrupos que surgiram no Tik Tok em 2020.

Infelizmente, a vigilância e punição sempre esteve presente na moda, a cobrança e idealização para se atingir uma determinada aparência não é algo incomum. E como as tendências são cíclicas o retorno da busca pelo corpo cada vez mais magro tem ganhado cada vez mais evidência nas passarelas e no mainstream. É interessante pensar que as celebridades que se tornam símbolos de tendências e movimentos dentro do mundo da moda acabam tendo que se adequar a mais nova trend para que sua relevância e status sejam mantidos. O panóptico permanece.


Mudança drástica no visual de Kim Kardashian.
Foto: Reprodução


Por: George Magela