domingo, 29 de outubro de 2023

Zuzu Angel: algoritmo, moda e posicionamento

     A palavra algoritmo tem sido pauta na maioria das discussões relacionadas à tecnologia, especialmente no que diz respeito a interferência dos algoritmos na escolha de quais conteúdos consumir online e quais são as problemáticas dessa interferência. Mas afinal o que é algoritmo? Algoritmo, dentre alguns significados, pode ser definido como um procedimento computacional baseado em dados que dão um resultado inequívoco. Embora o termo seja frequentemente associado a tecnologia, o conceito, que também pode ser interpretado também como uma curadoria, é bem mais presente em discussões que vão além do debate cibernético. A setlist de um DJ, livros organizados por ordem alfabética em uma biblioteca e até mesmo instruções para uma receita de bolo são curadorias.

Foto: Wikipedia
E foi justamente o algoritmo, baseado nas escolhas que faço ao engajar alguns conteúdos em detrimento de outros, que “me mostrou” a história de Zuzu Angel, uma importante estilista brasileira que usou a moda como posicionamento durante a ditadura militar.

Zuleika de Souza Netto, conhecida como Zuzu Angel, natural de Minas Gerais, foi uma importante estilista brasileira. Com influências baianas e mineiras, como as rendas, sedas e chitas, e o uso de estampas coloridas que representassem a fauna e flora nacional. Zuzu ganhou reconhecimento internacional, sobretudo das americanas, com seus vestidos nas décadas de 60 e 70. A figura do Anjo, seu nome artístico, era uma de suas marcas,  mas foi em 1971 que tudo mudou.

Em 1971, Stuart Jones, filho de Zuzu foi preso era filiado ao Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR-8) foi preso, torturado e morto, dado como desaparecido pelo regime militar e isso impactou profundamente a estilista, que passou a buscar por respostas, sendo a dor pela perda do filho combustível para reformulação de seus designs. 

Coleção International Dateline (1971)
Foto: Instituto Casa Zuzu Angel

A coleção chamada como International Dateline Collection III foi seu maior ato de crítica ao desaparecimento de jovens durante a ditadura militar. O desfile foi realizado na embaixada brasileira em Nova York durante os anos de chumbo do governo Médici, nesse período não era permitido fazer propaganda com críticas direcionadas ao regime ditatorial em território internacional, ironicamente ela não violou o decreto.

Os elementos que faziam parte de sua assinatura como pássaros e flores foram substituídos por tanques de guerra, soldados e sóis encarcerados, em bordados como em desenhos infantis. O anjo, tão famoso por estampar bolsas e vestidos, foi representado amordaçado e ferido. Responsável por levar elementos nacionais para a moda internacional, como o cangaço, agora Zuzu Angel denunciava o horror da ditadura militar e continuaria buscando por respostas até o fim de sua vida.

Foto: Instituto Casa Zuzu Angel

Em 14 de abril de 1976, Zuzu Angel sofreu um atentado que culminou em sua morte num acidente de carro, que capotou e caiu de uma altura de 10 metros na saída do antigo Túnel Dois Irmãos, que hoje leva seu nome, no Rio de Janeiro. Antes havia avisado alguns amigos, em cartas, um deles Chico Buarque, caso desaparece: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho."

Zuzu Angel foi revolucionária, seja levando elementos importantes da cultura brasileira para o mercado de moda internacional, como seus vestidos inspirados no cangaço ou denunciando o desaparecimentos de jovens durante a ditadura. Foi essa coragem que lhe custou a vida, contrária a curadoria nociva do regime militar. Que seu legado não seja esquecido.


Por: George Magela

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Inteligências e Artifícios: IAs aplicadas na moda

Os tempos modernos trazem consigo inovações e novos mecanismos de produção humana. Historicamente, o mundo da moda é marcado por processos de reinvenções constantes, em que se faz necessário adaptar-se às novas condições de existência de seu tempo. Dessa maneira, é inerente a esse universo a inserção das Inteligências Artificiais (IA) em tantos âmbitos quanto possível.

“As máquinas e os sistemas inteligentes estão executando tarefas que até recentemente eram prerrogativas dos humanos, em alguns casos com resultados mais rápidos e mais assertivos”, afirmam Dora Kaufman e Lucia Santaella. Recursos são aplicados em sua construção de forma a tornar pragmática a execução cotidiana das práticas no mundo fashion.

A título de exemplo, a Lalaland.ai. A empresa utiliza a inteligência de máquina para a geração personalizada de modelos. Ainda neste ano, a Levi Strauss & Co deu start ao projeto de utilização da IA para o seu próprio catálogo. O software será responsável pela criação de manequins personalizados a partir dos dados dos usuários. Dados como medidas, peso e etnia serão inseridos pelos usuários para a geração de um manequim que corresponda às especificações de entrada, dando a possibilidade de visualização das peças da varejista em um modelo tridimensional semelhante ao próprio corpo do usuário. Atualmente, a Levi's disponibiliza apenas um único manequim para cada categoria.

A modelo da esquerda foi criada com IA, a da direita é real.
Foto: Reprodução

Não apenas a ação traz uma inovação, no sentido de aplicação das tecnologias disponíveis no mercado, como traz para o centro da discussão a inclusão de diferentes corpos, de distintas idades, tamanhos e tons de pele. A moda, enquanto elemento social de comunicação, é um importante promotor de debates políticos e sociais. “O aprendizado de máquina é empregado em uma variedade de tarefas de computação, nas quais programar os algoritmos é difícil ou inviável. Trata-se de um processo de solução de um problema específico por meio da construção algorítmica de um modelo estatístico baseado em um conjunto de dados (BURKOV, 2019).”

Sendo assim, o principal entendimento, fruto dessas aplicações, é a “personalização das experiências no acesso online” no local de promoção de diversidade para os consumidores.


O outro lado da mo(e)da 

Utilizar-se das IAs, entretanto, não exclui o pensamento artístico e humano, do qual a moda depende essencialmente. Também este ano, a jornalista de moda Anna Battista concluiu a criação de uma coleção completa feita através de Inteligência Artificial. 

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

A coleção de Anna reúne o conceito esportivo e casual com o renascimento. Além das peças, o Midjourney, plataforma que tem ganhado amplo espaço no mundo da moda nos anos recentes, gerou imagens de modelos desfilando as peças em um evento de moda. Apesar de levantar diversos questionamentos acerca do espaço em que as pessoas ocuparão na produção de moda no futuro, é preciso atentar-se ao fato de que esse tipo de produção já é uma realidade. 

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

De modo similar, Kaufman e Santaella pontuam a importância de analisar as tecnologias sob a ótica das reais possibilidades que elas condicionam à sociedade. “Antes de tudo, é preciso levar em consideração que, muito longe da 'Máquina' onipotente da novela de Foster, as operações da aprendizagem de máquina na IA apresentam vulnerabilidades e limitações”.

Foto: Reprodução/Irenebrination/Midjourney

Anna relata ter encontrado dificuldades na construção de sua coleção, sobre limitações e irregularidades da própria plataforma. Decerto as evoluções se encarregaram de solucionar muitas das limitações tecnológicas do Midjourney, entretanto, para além do aplicativo, Anna utilizou sua inteligência própria e conhecimentos de mundo prévios para instruir o programa de como gerar as imagens. Assim, observa-se a conservação de um pensamento humano, artístico e por vezes crítico em uma construção baseada em inteligência artificial e tecnologias. 

O futuro é computadorizado, não há como ignorar este fato, mas, não será um mundo meramente dos computadores. O pensamento humano ainda será a base das construções de tudo que cerca a comunicação e o mundo social. 


Por: Elaine Santana

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Algoritmos, tendências e microtendências


Segundo Gillespie, os algoritmos são "Agentes que desempenham um importante papel na definição do que é relevante". É através desse raciocínio que se entende a importância que o algoritmo tem nas redes sociais, principalmente no Instagram e no TikTok, desempenhando um papel crucial na determinação do que se tornará uma tendência no mundo da moda.

Foto: Reprodução/Google
Com esse aspecto em mente, surgem também as microtendências, resultantes de um hábito social tão dinâmico quanto a utilização das redes e, consequentemente, a imersão nos algoritmos que as regem. Isso faz com que o surgimento de novos comportamentos na moda seja tão frequente que as tendências não se estabelecem por longos períodos. Os ciclos são tão rápidos que o surgimento de novos hábitos de consumo, vestimenta e até de posicionamento — porque moda é sempre um posicionamento — são quase exponenciais. São micros.

Microtendências, como o "brazilcore", servem como exemplos claros de como o boom de consumo e conteúdo é fomentado pelos algoritmos das redes. No TikTok, a hashtag "#brazilcore" somou mais de 75 milhões de visualizações no período em que o consumo de produtos relacionados à estética brasileira estava em seu auge. Atrelado a isso, a venda e produção de coleções que se alinhassem com essa estética disparou. Não houve uma grande marca de roupas ou até ateliês de slow fashion que não tenha produzido peças alinhadas com as linhas dessa microtendência.

Foto: ELLE Brasil/Pinterest
Na matéria de Francielly Kodama para o Gshow, a autora cita que as grandes e sempre inovadoras fashion weeks apenas consolidam outras tendências oriundas de outros ambientes. Pressupondo essa ideia, um desses ambientes é inevitavelmente o virtual. Fortalecendo a ideia de que a criação, consolidação e até ressurgimento de alguns movimentos criativos da moda nascem fora dos grandes ateliês e sem a assinatura de grandes designers, surgem da programação e da seleção de um algoritmo no dispositivo que aquele consumidor de moda possui.
O algoritmo pode ser tanto uma curadoria própria quanto fruto de uma curadoria que irá fomentar o comportamento do algoritmo. Portanto, o algoritmo precisa de tempo para poder entender e compreender determinadas preferências do usuário. No entanto, quando uma análise aprofundada realizada por Nínive Girardi sobre a moda na era do algoritmo conclui que algoritmos de redes como o TikTok operam menos por uma curadoria de hábitos de usuários e mais por uma massificação midiática no que distribui, surge o questionamento: O surgimento dessas tendências e microtendências é realmente algo natural e fomentado pelos consumidores de moda ou é proveniente de manipulações, ideologias e inclinações de consumo do interesse da plataforma associada?

Por: Isabela Reis

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

AI Pin: o que será que vem aí?

A temporada das Semanas de Moda é famosa por revelar as tendências mais inovadoras e surpreendentes no universo da moda. Durante a Paris Fashion Week 2023, no final de setembro, um dos itens que mais chamou a atenção não era uma peça de roupa, mas, na verdade, um dispositivo tecnológico: o AI Pin. Projetado pela Humane, o artefato só será oficialmente lançado em 9 de novembro, mas já gerou muita curiosidade após a utilização no desfile da grife francesa Coperni.

Foto: Francois Durand/Getty Images

O AI Pin é um assistente digital baseado em inteligência artificial que se prende à roupa por um ímã e pode ser facilmente colocado em qualquer parte do vestuário. É um dispositivo independente, não sendo necessária a conexão com outros gadgets, como smartphones.

Foto: Reprodução

Em demonstrações do aparelho, observou-se duas de suas funções: tradução em tempo real e projeção de mensagens ou texto. Com reconhecimento de voz, o dispositivo não funciona como outras inteligências artificiais como Alexa ou Siri, apenas é utilizado quando solicitado, através de um botão, objetivando manter a privacidade dos seus usuários.


Foto: Reprodução

Neste cenário, cabe questionarmos: dentre toda uma vastidão de dispositivos aos quais estamos cotidianamente conectados, alimentando intensamente com uma enxurrada de dados, vale a pena dispor de mais dados massivos em troca de uma nova bugiganga tecnológica? Quanto vale produzir mais dados que não se sabe ao certo como serão usados posteriormente?

AI Pin oferece funções já semelhantes a outras inteligências no mercado, agora em um dispositivo compacto e “vestível”, o que, de fato, torna toda a dinâmica mais prática. Até seu lançamento oficial, aguarda-se o desvelar de novas funcionalidades que tragam mais sentido à peça. Veremos cenas dos próximos capítulos.


Por: Elaine Santana