Os desfiles de moda foram desenvolvidos na metade do século XIX pelo pioneiro designer de moda inglês Charles Frederick Worth, que, passando a abandonar os tradicionais manequins de ferro, propôs uma abordagem diferente para apresentar suas criações: por meio de pessoas reais vestindo elas. Surgindo com propósito de expor as peças criadas nos ateliês para a clientela, hoje são verdadeiros espetáculos que fomentam toda uma indústria com uma expectativa de faturamento de US$1 trilhão para 2025.
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Charles Worth com uma modelo. Paris, 1958. |
No início, quando a moda definitivamente não era o que é atualmente, os desfiles aconteciam de maneira privada, com Worth e outros estilistas da cena parisiense e londrina convidando apenas clientes selecionados (a elite) para tais eventos. Com o tempo, a configuração de como aconteciam foi mudando, alcançando outros lugares do mundo, ampliando seu público para compradores, distribuidores, e incluindo a presença de imprensa, por exemplo.
É claro que, nessa perspectiva, é válido ressaltar que a experiência sensorial foi uma das causas para que essa mudança da maneira como as coleções eram apresentadas tenha mudado – há muita diferença de ver uma peça num manequim estático do que num ser humano, real, em ação, trajado num tecido com textura, caimento, entre outras coisas. Os desfiles permitiram uma interação da indumentária-corpos, ampliando a sensação de percepção e movimento.
Nesse viés, ao se deparar com os obstáculos presenciais que a pandemia da COVID-19 proporcionou, surgiu também o questionamento de como perpetuar a prática dos desfiles, tão importantes para a indústria da moda e da criatividade, em concordância com as normas de distanciamento social. E, assim como a tecnologia cumpriu um importante papel de aproximar as pessoas durante esse período, grandes marcas recorrem aos desfiles virtuais.
Antes de prosseguirmos, nós fazemos a seguinte pergunta: o que entendemos por virtual? Durante o período de distanciamento social (ou até, mesmo antes) foi comum usar desses termos para separarmos a nossa presença física da que existia nos ambientes digitais: era como se existissem duas personas, aliadas a uma sensação de independência, e, ao mesmo tempo, co-dependência: afinal, era comum participarmos de aulas virtuais, reuniões virtuais, trabalhos virtuais, entre outras coisas. O famoso filósofo Pierre Lévy, contudo, defende a ideia de que o real e o virtual não são opostos, mas sim complementares. Nessa perspectiva, o presencial seria o oposto do virtual, e ambos fazem, concomitantemente, parte da mesma esfera.
Em Maio de 2020 a designer de moda congolesa Anifa Mvuemba, criadora da marca Hanifa inovou ao apresentar uma coleção sem modelos ou plateia. Todo o desfile foi feito de forma virtual postado no Instagram da própria marca, os modelos feitos em 3D já eram uma realidade para a marca antes da pandemia, e diante das circunstâncias, a coleção Pink Label Congo foi lançada.
Anifa Mvuemba e criação. Foto: Notícia Preta |
Já durante a temporada de primavera/verão de 2021, grifes couture como Valentino, Prada, Balmain e Dior não deixaram a prática dos fashion shows de lado e promoveram a exposição de suas coleções de forma virtual. E consagra o novo formato como um sucesso, tendo o desfile da Prada alcançado 1 milhão de views no youtube enquanto a coleção marcava a despedida do trabalho solo da diretora criativa Miuccia Prada.
Mesmo com o sucesso dos desfiles no formato digital, logo após o retorno das anteriores práticas sociais e o fim do distanciamento devido a pandemia do COVID 19, a necessidade de fashions shows de forma presencial volta a surgir tanto para criadores quanto para consumidores de moda, endossando que a sensorialidade da moda é um fator, que mesmo temporariamente desaparecido, não é esquecido e muito menos dispensável.
Apesar disso, vale a reflexão de que as plataformas virtuais podem ser ótimas para apresentar projetos criativos que sejam também distantes da realidade, tecidos extremamente figurativos, futuristas e, até o momento, inalcançáveis – mas dificilmente vão ter o charme do “real” e as maravilhas que o ser humano pode ainda produzir.
Por: Ana Letícia e Isabela Reis